Série Presidenciáveis: Cabo Daciolo

Série Presidenciáveis: Cabo Daciolo

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O candidato Cabo Daciolo (Patriota) protagoniza uma narrativa repleta de teor religioso, associada a uma pregação convicta de ousados prognósticos e teorias exóticas sobre o que supostamente está por trás da conjuntura vigente. Apesar da maneira caricata e pouco organizada pela qual emite sua retórica e de propagar diversos simplismos e exageros, esporadicamente menciona questões importantes que são maciçamente suplantadas pela desinformação veiculada pelas instituições que compõem o establishment.

O presidenciável tem o costume de disponibilizar pouco tempo para campanha e usá-lo, em grande parte, para se recluir em oração; evita conceder entrevistas e participar de sabatinas. Vinculado ao segmento pentecostal do protestantismo, Daciolo padece dos efeitos culturais de duas enraizadas correntes de pensamento que circundam boa parte das igrejas no Brasil: o dispensacionalismo e a teologia da libertação. Enquanto a primeira postula, entre outros pontos, o desprezo ao mundo material, oriundo da premissa de que a seara espiritual é a única relevante, acarretando no negligenciamento de outras áreas do conhecimento; a segunda configura a tentativa de transformar o cristianismo numa extensão do marxismo, mediante um viés interpretativo materialista que apequena e avilta o teor transcendental das premissas cristãs, tendo a Teologia da Missão Integral como seu principal instrumento no meio protestante. Tais distorções geram aberrações de conduta, levando cristãos a se voltar contra ideias que derivam de sua própria religião, como se fossem repulsivas, e a defender a ideologia de seus algozes. Inserido nesse contexto, o candidato chegou a se filiar ao PSOL (Partido Socialismo e Liberdade), que prega abertamente contra o ideário cristão e defende a subversão dos valores que dele derivam, e ser eleito deputado federal por tal sigla; sendo expulso do partido pouco tempo depois por defender que na passagem "todo poder emana do povo", da Constituição Federal, a palavra "povo" fosse substituída por "Deus".

Não obstante o fato de se expressar pouco em campanha, prega em seu programa de governo uma série de diretrizes abrangentes a respeito dos principais assuntos e setores da sociedade. Na maior parte do conteúdo, coloca como principal medida para solucionar problemas o aumento estrondoso do investimento estatal, se referindo ao montante em relação ao PIB e propondo alocar 10% deste para a educação e também 10% para as Forças Armadas, ao mesmo tempo em que defende medidas de ajuste fiscal. Em relação ao ensino público, são listados dados a respeito de algumas das principais mazelas que o assolam no país, entretanto, não é feita referência à metodologia de ensino, nem tampouco a erros no trato regulatório do Ministério da Educação; e, sobre segurança pública, profere uma de suas vastas e grosseiras simplificações, apontando o aumento do número de militares no guarnecimento dos quase 17.000 quilômetros da fronteira nacional como medida para resolver a questão do contrabando. Embora não conste no programa, o candidato, mesmo se declarando cristão, se posiciona contra o armamento civil, apesar de o próprio Jesus Cristo ter recomendado veementemente a seus discípulos que se armassem (à época, com facas ou espadas) para enfrentar certos perigos na trajetória cosmopolita que viriam a realizar na tarefa de propagar a mensagem do evangelho, chegando a ordenar que vendessem parte de sua roupa para obtê-las, caso ainda não as possuíssem (Lucas 22).

Em meio a tantos equívocos e má fundamentação em suas ideias, há alguns tópicos que se destacam como lúcidos em seu discurso, como a reivindicação do voto em cédulas, que se constitui como fundamental para a garantia da lisura do processo eleitoral, tendo em vista que não apenas foi comprovada a possibilidade de violação das urnas eletrônicas, como também há o fato de que a apuração dos votos é feita de forma secreta pelo TSE, inviabilizando qualquer auditoria efetiva dos resultados e configurando, por si só, fraude, dado que deve haver, por definição, plena transparência em eleições democráticas; e a referência ao Foro de São Paulo como sendo o principal norteador de boa parte dos candidatos à presidência que compõem o espectro esquerdista. No entanto, ao associar em seu discurso tais assertivas válidas a bordões clichês e teorias infundadas, gera certo decaimento na credibilidade, perante o público leigo, daquilo que é aproveitável em sua exposição.

Cabo Daciolo simboliza um dos numerosos paradoxos culturais do Brasil, em que, desguarnecidos de conhecimento em assuntos extrateológicos e guiados pela ideologia de seus maiores inimigos, boa parte dos cristãos incorre em posições brutalmente incoerentes com seus princípios originais. Incentivados a não se empenhar na compreensão das searas do mundo material e enganados por agentes subversivos que invadiram seu meio, se encontram num cenário onde sua assimilação da realidade social é drasticamente deficiente e o pouco que dela aprendem lhes é transmitido de forma deturpada. Sua presença no pleito desvencilha da imputação de extremismo candidatos que preguem de forma mais bem fundamentada as ideias do espectro direitista, passando-lhes a imagem de relativa moderação e aproximando-os mais do eleitorado.


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