Um linguajar que à primeira vista pode parecer próprio do marxismo, que se refere à dialética da luta de classes como força motriz da sociedade, isto é, como aquilo que conduz, em última instância, a realidade, se aplica de forma notória no mundo, mas sob outro viés interpretativo. Enquanto o espectro esquerdista realça contendas imaginárias entre classes, supostamente opressoras ou oprimidas, se vê, em verdade, um contraste de mentalidade entre a elite, detentora de melhores condições de vida e em contato com meios sofisticados que lhe privam da vivência comum da sociedade à sua volta, e a massa, composta por amontoados de anônimos condicionados a rotinas simples, árduas e, sobretudo, mais humanas.
Por diversas vezes são constatadas reações histéricas direciondas ao modo pelo qual as massas se expressam e se manifestam. O povo, autêntico e espontâneo, costuma externar seus sentimentos e pensamentos por hipérboles, exageros despreocupados, eventualmente obscenos, mas agraciados pela sua virtuosa sinceridade. Os excessos linguísticos, em maior parte, no entanto, não encontram, no mundo real e prático, amparo para sua fidedigna realização, pois tratam-se apenas de frutos da pouca instrução predominante de seus locutores, não configurando o desejo efetivo destes, mas sim fornecendo um retrato pouco preciso, em forma, da essência de seus sentimentos de indignação ou exaltação. O discernimento necessário para a compreensão do que realmente significam os modos de expressão da massa não norteia as análises daqueles que compõem a elite da sociedade, pois estes tiveram sua vivência blindada dos costumes corriqueiros do povo majoritário e sua personalidade se construiu eivada de moralismos puritanos, quase inumanos, que lhes imputaram ojeriza aos traços de seus semelhantes de classes ordinárias. Ademais, esse mesmo grupo, socialmente isolado do cotidiano popular, possui dificuldade em diferenciar qualitativamente uma manifestação politicamente coordenada por grupos de pressão organizados e hegemônicos de uma descentralizada e espontânea, proveniente de multidões que de fato constituem elemento determinante para eleger ou depor poderosos, desprendidas da uniformidade cara às oligarquias.
Durante várias gerações, principalmente em países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento, como é o caso do Brasil, a bolha de isolamento da elite afetou as mais diversas searas sociais, como a mídia e a política, que passaram a refletir a mentalidade elitista com a iludida pretensão de representar o pensamento do povo como um todo. Dessa forma, a minoria barulhenta e influente emite sinais, voluntários ou não, a respeito de suas opiniões e costumes, e as instituições os reproduzem com refino visando à interação com o público em geral, mas, na prática, apenas se comunicam com a mesma bolha segundo a qual se moldaram, pois, equivocadamente, entendem a sociedade com base numa amostra que representa contraste direto com o todo. Tal sistemática fez com que, entre outros efeitos, a grande maioria da população, componente da grande massa, ficasse sem representação de suas ideias nas disputas eleitorais importantes. Ao invés de haver o foco na defesa de princípios conservadores e cristãos por parte das plataformas políticas aspirantes ao poder, primou-se, por muito tempo, por debates cujo centro era constituído pelo superficialismo econômico e pela mísera demagogia retórica, induzindo os debatedores à apologia do estatismo, do qual grande parte da massa se vê mental e financeiramente dependente, e à ocultação, ou ao menos discrição, de seus posicionamentos anticonservadores, o que conduzia as candidaturas de maior apelo emocional e publicitário à vitória, porém com grosseiras ressalvas à falta de opção dos votantes. No momento em que surgiu uma alternativa abertamente concordante com os costumes e princípios populares, rompendo a polarização materialista do debate político e confrontando-a com pautas culturais e morais, mais humanas e convergentes ao sentimento popular, houve o êxito acachapante de tal proposta.
Após convulsões políticas e culturais de proporções brutais, a elite, não apenas no Brasil, mas também em diversos outros países, tem se repaginado, buscando alguma interseção ideológica para com o povo ao mesmo tempo em que mantém sua essência, mais discreta e com outra roupagem. A vertente autointitulada ''liberal moderna'', de contorno gourmet, que se apropria de conceitos da social-democracia e do pragmatismo econômico, sendo, ao mesmo tempo, eivada de traços positivistas, principalmente em âmbito jurídico, propõe interpretações legalistas da Carta Magna, que culminam no fortalecimento da burocracia, dos privilégios e da impunidade, e estigmatiza o patriotismo daqueles que se insurgem legitimamente contra o sistema corrompido que assola sua nação. Até quando derrotados, os arautos do elitismo buscam impor seus princípios antirrepublicanos e antipopulares, visando à divisão do espectro oposto por meio de instrumentos aparelhados e do forjamento de moralismos superficiais, voltados para barrar a livre expressão do pensamento da massa ao tentar tutelar, segundo critérios arbitrários, o grau de ''aceitação'' de seus traços ideológicos e manifestações no debate público.
A ideia de que o povo é composto por um ajuntamento de mentecaptos, incapazes de andar com as próprias pernas e buscar o que é melhor para si mesmos, sempre permeia a essência da mentalidade elitista, conduzindo-a à defesa de um Estado provedor e paternal que tutele eternamente a massa débil. Tal visão, se concretizada, condena a sociedade ao atrofiamento, pois impede que os indivíduos lidem com as consequências de suas decisões e eventuais erros, que os faria evoluir e levar seu país ao desenvolvimento consistente, atrelado ao fortalecimento da personalidade e da mentalidade de seus cidadãos. A clausura mental da bolha elitista, contaminada por utopias próprias daqueles que perderam ou nunca tiveram o contato com o mundo prático, como a crença na ''conscientização universal'', no ''homem bom por natureza'' e numa educação desprendida da política, atrasa e fere a sociedade.
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