Keynes e a economia real

Keynes e a economia real


No meio acadêmico das Ciências Econômicas constantemente há debates sobre o grau ideal de intervenção do Estado na economia, bem como a maneira como deve ser realizada. Um dos mais notáveis pensadores da área, considerado o fundador da macroeconomia moderna, foi John Maynard Keynes, que propôs a ideia de que o governo deve fazer políticas expansionistas na recessão e contracionistas nos períodos de expansão econômica, ou seja, estimular a economia em tempos de crise, com gastos públicos ou políticas monetárias pró-crédito, e buscar poupar recursos quando o mercado já estiver aquecido. Tal mentalidade pareceu bastante conveniente aos governantes, que acabaram distorcendo a já controversa cartilha, promovendo sucessivas irresponsabilidades fiscais e monetárias.

O problema com o qual a teoria keynesiana se deparou ao ter de lidar com a economia real está fundamentalmente atrelado aos ciclos eleitorais das democracias, que, por serem razoavelmente curtos, induzem os mandatários a realizar políticas cujos resultados se dão a curto prazo, e aos regimes ditatoriais, que não impõem barreiras suficientes aos déspotas para que não cometam excessos. Enquanto no primeiro caso os chefes de Estado tendem a alocar enormes quantias dos recursos públicos em medidas mais chamativas, como grandes construções, reformas e programas assistenciais, despertando mais as preferências do eleitorado e acarretando em mais votos nos pleitos, no segundo cenário se veem livres para financiar as majestosas mordomias de si mesmos e de seus aliados poderosos que lhes dão apoio no regime para que não estejam vulneráveis a revoltas populares. A receita postulada por Keynes para conter recessões surgiu na década de 1920, em meio a uma das maiores crises econômicas da história do mundo, cujo epicentro se deu na economia americana e foi antecedida, no país, por 62% de inflação em 8 anos, taxas de juros artificialmente baixas, subsídios agrícolas e uma corrida bancária por novos credores internacionais, aumentando a oferta de crédito, por conta de a Alemanha, forte emprestadora, ter comprometido suas finanças com a fracassada primeira guerra mundial, que por sua vez também motivou elevada gastança estatal dos Estados Unidos. Ou seja, o contexto no qual a sua teoria se popularizou já era propenso a deturpações, pois um de seus princípios, a poupança estatal prévia, não estava configurado, criando um nocivo precedente para as demais gestões públicas, que vieram a repetir tais práticas com cada vez mais aprimorada malevolência.

A economia é formada por ciclos: de expansão, em que há crescimento contínuo do Produto Interno Bruto (PIB); recessão, quando ocorre queda contínua durante determinado período na produção; e recuperação, quando o PIB passa a crescer após uma recessão. A política keynesiana almeja, ao injetar estímulos monetários ou fiscais na economia, gerar expectativas otimistas no mercado, de que, apesar do poder de compra em combalimento dos consumidores, haverá demanda suficiente para que possa investir mais na oferta de bens e serviços, retomando assim a produção em meio a uma recessão. Quando a economia está em expansão por conta de um aumento da demanda agregada, ou seja, pelo mero fortalecimento do poder de compra dos consumidores, há também um aumento contínuo da inflação, que, chegando a um patamar em que seja abalada a capacidade de consumo da população, acarreta no início da recessão, quando passará a ocorrer deflação até que o nível geral de preços torne viável novamente as compras do povo. Tal processo é sofrido, em virtude do desemprego, das falências de empresas e do acúmulo de fatores de produção ociosos, além de poder ser bastante demorado. Os investidores ficam desincentivados a produzir, dada a falta de demanda e, para reduzir seus custos, demitem seus funcionários e desativam máquinas e equipamentos.

Caso as expectativas otimistas não possam ser geradas pelo estímulo econômico do governo, este perde todo o sentido dentro da teoria, pois apenas geraria mais inflação e prolongaria a recessão. O mercado não identifica uma boa novidade quando a própria política utilizada tem sido a causa das crises, por exemplo, como é o caso de algumas ditaduras, cujo valor da moeda nacional se depreciou ao extremo devido ao sucessivo mau uso da senhoriagem (emissão de moeda). Em cenários como esse qualquer política expansionista do governo apenas agravaria a crise, mas não é preciso ir tão longe para que a produção não se altere diante de tal medida: o caso da recessão, a partir de 2015, do Brasil, país com ambiente institucional razoavelmente organizado, é um caso emblemático onde apenas, pelo contrário, políticas contracionistas, inibindo o gasto excessivo do governo, agilizariam a recuperação econômica. Ademais, quando o motivo da crise é avulso à própria seara econômica, como em catástrofes naturais, calamidades públicas, inclusive geradas por novas doenças, os estímulos podem não fazer efeito, já que o que  está motivando os agentes de mercado a restringir oferta e demanda não são limitações de natureza essencialmente financeira.

O governo possui três opções de arrecadação: impostos, endividamento e senhoriagem. Caso escolha financiar seus olhos estímulos por meio dos gastos públicos, isto é, por política fiscal, deverá, no primeiro caso, onerar a atividade produtiva com altas taxações quando ela estiver em expansão; no segundo, irá pelo mesmo caminho, só que de forma mais diluída no decorrer das gerações, a fim de honrar os compromissos com os credores, além de, provavelmente, ter que aumentar a taxa de juros para que possa adquirir as dívidas adicionais, exercendo força contrária ao estímulo almejado; e, no terceiro, tenderá a gerar inflação fora de controle, que na melhor das hipóteses acarretará em novas recessões. Mesmo que tenha poupado previamente, o governo precisará repor suas reservas, sendo levado a drenar o potencial produtivo da economia em ascensão. Mas, devido à heterogeneidade das gestões públicas, com governantes de várias ideologias e partidos, a consistência teórica da proposta de Keynes mais uma vez se compromete na prática, pois exige uma inalcançável uniformidade de longo prazo no modelo econômico adotado. Se a alternativa for reduzir artificialmente a taxa de juros, para facilitar novos investimentos no mercado, isso levará, caso tal política surta efeito, a um uso desordeiro do crédito, pois haverá crescimento indiscriminado de consumo e investimento ao mesmo tempo, aumentando o PIB a curto prazo, com oferta e demanda adicionais, mas, no longo prazo, gerando apenas mais inflação, pois os consumidores terão gasto seus recursos demandando bens e serviços na fase em que ainda estavam muito escassos, enquanto os ofertantes terão a produção dos novos produtos interrompida por conta da insuficiência de crédito gerada pela disputa inicial com os consumidores, desperdiçando recursos escassos e inserindo a economia novamente na recessão.

Apesar de ser colocada como anticíclica, pretensamente inibindo recessões e, portanto, os ciclos econômicos, a teoria keynesiana tem se mostrado, tanto na prática quanto na análise lógica, pró-cíclica, pois, quando surte efeito, este se limita ao curto prazo e apenas adia a recessão, que passa a acometer a sociedade com ainda maior severidade, e, quando é inefetiva, meramente agrava a presente crise. A tendência, com o sucessivo uso de tal modelo, é também, inevitavelmente, a elevação do risco moral, que se traduz em péssimos incentivos aos agentes econômicos, com a expectativa de que sempre o governo os salvará em caso de más escolhas que levem a novas crises, o que, frequentemente, tem sido principal causa das grandes bolhas financeiras, como em 1929 e 2008. Não obstante o fato de não exigir um Estado extremamente interventor, essa proposta culmina no avanço gradual de suas atribuições, num ciclo vicioso fundamentado em tentativas fracassadas de suprimir crises que seriam naturalmente corrigidas pelo mercado, minimizando os danos.


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