Os ânimos sociais têm estado em ebulição perante alguns gatilhos políticos acionados por fatalidades especialmente chocantes: a morte do americano negro George Floyd, nos Estados Unidos, após ter sido asfixiado por policiais, e, mais recentemente, porém com menor politização, a morte, motivada por negligência de sua tutora momentânea, de um menino negro brasileiro, filho de uma empregada doméstica que havia se ausentado para cumprir um afazer determinado por sua patroa e deixado sob a tutela desta a criança. O assunto do racismo passa a estar em mais alta voga diante da incitação violenta e generalista de grupos políticos, pautando a massa pouco politizada. Para que se possa discernir sensatamente acerca de um tema tão delicado é preciso remeter ao estudo das raízes e definições de cada pressuposto pertinente, desvencilhando-se da exploração política rasa e descomprometida com a verdade.
De acordo com Francisco Bethencourt, autor do livro Racismos: das cruzadas ao século XX, a definição do termo racismo, que foi criado no final do século 19, se traduz no "preconceito relacionado à ascendência étnica combinado com ação discriminatória", podendo ser motivado não apenas pela concepção de inferioridade alheia, mas também por mera concorrência, e não deve ser tratado de forma homogênea e universal, pois é dotado de inúmeras especificidades, de acordo com cada contexto social e histórico. Considerando tal descrição, é possível constatar práticas racistas em praticamente toda a história da humanidade, do Ocidente ao Oriente, sejam elas motivadas por aparência física, tendência natural, religião, ornamentos, vestes ou linguagens, como postulou o geógrafo Al Idrisi, não sendo de forma alguma uma peculiaridade relacionada exclusivamente aos negros, mas a diversas tonalidades de pele, de acordo com a cultura, e a membros de outras etnias, inclusive com base no sangue e na ascendência. A própria palavra escravo vem do termo slav, que significa eslavo, fazendo referência ao povo escandinavo, loiro, branco e de olhos claros, que fora escravizado pelos árabes. A diversidade do assunto é facilmente constatada quando se nota a relatividade dos critérios raciais entre as culturas: enquanto nos Estados Unidos os negros são classificados pela presença de sangue afrodescendente, por exemplo, no Brasil, país miscigenado, a associação à negritude se dá muito mais pela classe social e, em outras nações, pode se dar por variadas tonalidades de pele escura, podendo um mesmo indivíduo ser considerado branco em uma, negro em outra, mulato numa terceira e assim por diante. As atitudes discriminatórias, baseadas em referências pejorativas a terceiros, se dão tanto entre grupos étnicos concorrentes ou inimigos, como é o caso entre as religiões monoteístas, instigadas pelo clima de acirramento das cruzadas, quando, por exemplo, muçulmanos, ao dominar territórios, obrigavam cristãos a usar o emblema de porco, e judeus, de macacos, influenciando práticas semelhantes em outros contextos; quanto com membros de uma mesma etnia, como no caso de novos convertidos a uma certa religião que guardam ligações culturais com o grupo do qual faziam parte e dos negros africanos, que vendiam seus próprios familiares como escravos.
O racismo, segundo a ideia de Bethencourt, pode ser informal, quando se resume a preconceitos moderados do dia a dia, sem impacto relevante nas vidas alheias, ou institucional, quando parte do cerceamento das liberdades do grupo discriminado. No mundo moderno, o que mais tem sido usado em favor da manipulação de massas de manobra é o primeiro tipo, quase sempre atrelado a pretensas engenharias sociais de grupos políticos coletivistas. O pressuposto ideológico essencial dos referidos agentes se baseia na ideia de que o indivíduo nada mais é do que uma peça à mercê de sua classe ou etnia supostamente organizada e dotada de interesses comuns internamente evidentes. Isso pode se dar com a profissão, no caso do socialismo; com o gênero, no caso do feminismo; ou mesmo com a própria cor da pele, que não é nem mesmo um critério unânime quando se estuda as causas do racismo, no caso dos militantes racialistas. A reverberação artificial de tensões sociais fundamentadas no primeiro tipo de racismo, que esteve presente em todo o mundo com diversas etnias, povos e nações e foi gradualmente minimizado pela maturidade social, que fez com que as pessoas superassem o peso pejorativo de desconfianças, palavras e gestos, concedendo importância ao que concretamente era edificante em suas vidas, como fez o jogador Daniel Alves ao ser alvo de insinuações racistas, representa tentativas maliciosas de perverter a lei e a ordem em prol de projetos totalitários. A indignação seletiva dos grupos pretensamente engajados na causa negra é enaltecida em casos que você, caro leitor que não possui tempo ou vocação para se especializar em conhecimentos políticos e jornalísticos, provavelmente nem sequer ouviu falar, como o assassinato do policial negro David Dorn, dos xingamentos racistas contra o negro Fernando Holiday, da Policial Militar negra Juliane, assassinada, e tantos outros que não foram repercutidos pelos pretensos paladinos antirracistas pelo simples fato de as vítimas possuírem uma ideologia contrária à deles. A terceirização das responsabilidades individuais é cara à ideologia coletivista, sempre sob a roupagem de algum coletivo abstrato, visando livrar os transgressores de punições direcionadas e efetivas ao mesmo tempo em que torna ordinário o próprio conceito da transgressão. Se tudo é racismo, nada é racismo, por exemplo. Aquilo que a sociedade almeja combater é tão banalizado que perde o sentido, por estar no âmago da vida cotidiana. Isso torna impunes os verdadeiros crimes. O movimento Black Lives Matter, de inspiração esquerdista, tem, naturalmente, como um de seus influenciadores primordiais, Karl Marx, um genuíno racista, autor da frase "os negros, comparados a nós, brancos, são o que há de mais parecido com o reino animal".
Uma definição mais fidedigna do racismo, inclusive para fins de lidar efetivamente com o problema, é aquela do Dicionário de Política, escrito por Norberto Bobbio, Nicola Matteucci e Gianfranco: "com o termo racismo, se entende não a descrição da diversidade das raças ou grupos étnicos humanos realizada pela antropologia física ou pela biologia, mas a referência do comportamento do indivíduo à raça a que pertence e principalmente o uso político de alguns resultados aparentemente científicos para levar à crença da superioridade de uma raça sobre as demais. Este uso visa justificar e consentir atitudes de discriminação e perseguição contra as raças que se considera inferiores". Isso mostra que o que deve ser execrado são as práticas concretas que transgridem a liberdade alheia, inclusive as com base racista, e não meras palavras e gestos que façam referência pejorativa ou humorística à aparência ou costume dos membros de certa etnia. Da mesma forma, reivindicações de privilégios com base na cor da pele, sob a argumentação encharcada de racismo de que deve haver uma "compensação histórica", que sempre precede totalitarismo e o próprio racismo, devem ser repelidos. O racismo obviamente existe, mas é um assunto que possui muitas distorções, que podem ser sintetizadas num mito: a ideologia coletivista, o grande mito do racismo.
Os ideais verdadeiramente responsáveis pela abolição da escravidão e pela posterior inserção dos antigos escravos no grupo detentor de direitos humanos são os da filosofia liberal, capitaneada por nomes como David Hume, Benjamin Franklin e Adam Smith, que comprovaram a irracionalidade do ato de possuir escravos, e da teologia protestante, unida a setores da Igreja Católica, como a Escola de Salamanca, que resgatou o conceito de universalidade e acolhimento cristão de todas as raças. Se você é contra o racismo, são esses os valores a ser exaltados.
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