Os perigos do liberal-conservadorismo: uma introdução

Os perigos do liberal-conservadorismo: uma introdução

A Maçonaria e o Iluminismo | O Ponto Dentro do Círculo

Uma das aplicações mais eficazes da janela de Overton mundial é a concessão cultural com que o espírito revolucionário brinda o liberal-conservadorismo. Tomadas em sentido estritamente histórico-político, esquerdas e direitas se alternam nos países e coexistem numa disputa da qual aquele espírito só pode sair triunfante: a atual suposta “reação direitista (ou conservadora)” à barbárie perpetrada pelo esquerdismo ao redor do globo, se é em muitos aspectos um respiro, também nos pode anestesiar, cegando-nos para as causas da desgraça enquanto festejamos a destruição dos efeitos.

Que digo? Que o conservadorismo, embora por vezes se queira antiliberal (ou defenda-se na fórmula enciclopédica de “liberal na economia e conservador nos costumes”), é na verdade produto do voluntarismo (a inversão da primazia da razão sobre a vontade, donde vem o liberalismo) e que a revolução permitirá que ele se pronuncie a fim de que seja proscrita como extremista qualquer tentativa de ir além dele, nomeadamente a denúncia da farsa institucional da modernidade. A ficção do contratualismo liberal não é hoje, por exemplo, amplamente aceita? Não o é também o laicismo de estado (sob a alegada e risível distinção de laicidade e laicismo)? O slogan “todo poder emana do povo”? Os “direitos do homem” da Revolução Francesa (com razão criticados por Burke, conquanto com as armas erradas do arsenal moderno), baseados na abstrata humanidade do direito natural iluminista (como mostrará Villey)? E os aplausos entusiasmados e acríticos da direita a tudo o que cheire a Founding Fathers, a americanismo, a EUA? As teses mais absurdas provêm não somente da Coreia do Norte ou de Cuba, mas das universidades americanas, e não é por acaso. Todos esses traços são rebentos da mesma alma liberal.

O referido contratualismo atomiza o homem, desprezando a demonstração aristotélica da sociabilidade que lhe é inerente; a cínica diferença entre laicismo e laicidade não se verifica na prática, haja vista todos os dias assistirmos a exemplos do avanço de César sobre o redil de Cristo; a divisa soberanista e aberrante do povo como fonte do poder – a “vontade geral” –, erigida nos escombros da doutrina medieval das duas espadas (magistralmente defendida por Bonifácio VIII na Unam Sanctam, de 1302), confere legitimidade às arbitrariedades da população; os direitos do homem idealizado de 1789, condenados por Pio VI como contrários aos direitos de Deus e do homem concreto; o secularismo norte-americano, por sua vez, é de certo modo mais perigoso que o francês, pois, se na França a Igreja e o estado estão ostensiva, infeliz e radicalmente separados (de maneira a podermos mais facilmente distingui-los), o laicismo dos Estados Unidos é indiferentista, um mix ou (na expressão de Miguel Ayuso) um mercado de religiões ao gosto do freguês, a dissolver aos poucos as identidades.

Tais problemas são ignorados ou pouco explorados pela direita conservadora, que em geral parece preferir a manutenção da ordem social e institucional moderna, como se esta não se tratasse de uma “bomba-relógio cultural”. Muitos hoje suspiram, julgando-se libertos do esquerdismo e saltando, porém, de um erro a outro: abyssus abyssum invocat. Em sua crítica do pensamento revolucionário, o conservadorismo se queda a meio do caminho, brandindo uma filosofia alicerçada na mesma forma mentis que pretende denunciar. O jacobinismo, com efeito, é somente um episódio ou faceta da revolução. 

O pensamento tradicional deve lembrar aos conservadores que as tradições têm como fim a preservação de princípios que não podem ser defendidos pelo ideário modernizante.

Desenvolveremos o tema.


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