As eleições de 2018, além de refutar muitos analistas, surpreenderam os políticos tradicionais do Brasil, com a vitória acachapante de Jair Bolsonaro, sem, em nenhum momento, deixar de liderar as pesquisas com ampla vantagem sobre os adversários. O sucesso relativamente repentino do político na disputa pela chefia do poder executivo não esteve desacompanhado do êxito de seus pares por todo o país. 2018 foi o ano com maior renovação parlamentar da história brasileira e o então partido de Bolsonaro, o PSL, obteve a segunda maior bancada na Câmara, com 52 deputados, e elegeu 4 senadores, além de 12 governos estaduais. Quais seriam as causas desse fenômeno tão incompreendido pelo mainstream e o que o diferencia do sucesso político de outras figuras do Brasil?
O advento do que podemos chamar de bolsonarismo, que consiste no efeito político mais prático de eventos mais discretos ocorridos na seara cultural e intelectual, foi viabilizado com a ruptura da hegemonia intelectual dos ditos progressistas, que, apesar do nome de aparência virtuosa, representam ideias antagônicas às instituições e valores que sempre geraram o verdadeiro progresso à raça humana, em favor da busca obsessiva por uma utopia. O filósofo Olavo de Carvalho, com suas distintas obras literárias, sobretudo as que discorrem sobre cultura e política, abriu espaço para intelectuais conservadores nas mídias e no mercado editorial ao desnudar de forma pioneira, após a redemocratização, a corrosão da qual vem padecendo o Brasil há décadas, com o vácuo de produções filosóficas, a substituição da genuína intelectualidade pela fidelidade vazia a chavões políticos, o domínio das oligarquias sobre a coisa pública e, principalmente, a censura, sem precedentes em nações democráticas, praticada pelos ocupantes majoritários das instituições nacionais, como universidades, igrejas, sindicatos, jornais, emissoras, escolas, etc., ao pensamento conservador, o que revela, por si só, que não havia democracia de fato no país, já que tal sistema pressupõe que os grupos, sobretudo as maiorias, tenham representatividade na sociedade e, normalmente, em nações democráticas deve haver Esquerda (progressistas) e Direita (conservadores) nas disputas eleitorais e políticas em geral. No Brasil, no entanto, não há o domínio dos conservadores, maioria absoluta no país, de nenhuma instituição relevante; no máximo, possui uma ou outra pequena ou média entidade que não professa o esquerdismo, mas não se identifica propriamente com o conservadorismo e sofre a influência cultural progressista dos grupos hegemônicos, absorvendo seus cacoetes e trejeitos intelectuais de forma inconsciente.
Existem diversas pesquisas que comprovam a presença de maioria inquestionável dos conservadores no Brasil, isto é, de cidadãos, ainda que despolitizados, defensores da preservação de marcos civilizatórios que foram essenciais para o progresso da sociedade e a garantia da lei e da ordem. Algumas das pesquisas que mostram isso: em 2010, o Ibope perguntou aos entrevistados sobre legalização do aborto (78% contra, 10% a favor, 10% indiferentes e 2% não souberam responder), implantação da pena de morte para certos crimes (55% a favor, 31% contra, 12% indiferentes e 2% não souberam responder), redução da maioridade penal (63% a favor, 24% contra, 10% indiferentes e 3% não souberam responder), casamento entre homossexuais (54% contra, 25% a favor, 18% indiferentes e 2% não souberam responder) e prisão perpétua para crimes hediondos (66% a favor, 21% contra, 10% indiferentes e 2% não souberam responder); em 2014, em mais um levantamento do Ibope, foi perguntado aos entrevistados sobre legalização do aborto (79% contra, 16% a favor e 4% não souberam responder), casamento entre pessoas do mesmo sexo (53% contra, 40% a favor e 7% não souberam responder), legalização da maconha (79% contra, 17% a favor e 4% não souberam responder) e diminuição da maioridade penal para 16 anos (83% a favor, 15% contra e 3% não souberam responder); em 2016, o Ibope repetiu as perguntas de 2010 e recebeu os seguintes resultados: 78% contra o aborto, 17% a favor, 4% indiferentes e 1% não souberam responder, 49% a favor da pena de morte para certos crimes, 46% contra, 4% indiferentes e 1% não souberam responder, 78% a favor da redução da maioridade penal, 18% contra, 3% indiferentes e 2% não souberam responder, 44% contra o casamento entre homossexuais, 42% a favor, 11% indiferentes e 2% contra, 78% a favor da prisão perpétua para crimes hediondos, 17% contra, 3% indiferentes e 2% não souberam responder; em 2017, pelo especialista em marketing político Marcello Faulhaber, foi apontado que 55% defendem o conservadorismo com economia pouco livre e outros 16% defendem o conservadorismo com economia mais livre, enquanto 23% defendem o progressismo com economia pouco livre e 6% defendem o progressismo com economia mais livre; já em 2018, no quarto levantamento do Ibope em 8 anos, com as mesmas perguntas de 2010 e 2016, os resultados foram os seguintes: 80% contra o aborto, 15% a favor, 4% indiferentes e 1% não souberam responder, 50% a favor da pena de morte para certos crimes, 45% contra, 4% indiferentes e 2% não souberam responder, 73% a favor da redução da maioridade penal, 22% contra, 2% indiferentes e 3% não souberam responder, 50% contra o casamento entre homossexuais, 39% a favor, 9% indiferentes e 3% contra, 77% a favor da prisão perpétua para crimes hediondos, 19% contra, 1% indiferentes e 2% não souberam responder. Esse mesmo instituto quantificou, por meio de seus questionários, o "grau de conservadorismo" da população brasileira: o percentual de pessoas com alto nível de conservadorismo passou de 49%, em 2010, para 54% em 2016 e 55% em 2018; o de pessoas com nível moderado passou de 47%, em 2010, para 41% em 2016 e se manteve em 41% em 2018; e o de pessoas com baixo grau passou de 4%, em 2010, para 5% em 2016 e 5% em 2018.
Na Paraíba, um estado da região nordeste, onde em nenhum estado Jair Bolsonaro obteve mais votos que os adversários, as estatísticas mostram que o custo-benefício das candidaturas alinhadas ao bolsonarismo, ou seja, que apoiaram a candidatura de Jair Bolsonaro, se mostrou muito melhor que o das candidaturas alinhadas a candidatos de esquerda e de centro. O deputado federal bolsonarista eleito pelos paraibanos, Gulliem Charles Bezerra Lemos (PSL), apresentou um custo de campanha de R$5,06 por voto, o menor dentre todos os eleitos, cuja média geral foi de R$11,78. Os candidatos eleitos por partidos de esquerda (PT, PSB e PDT) tiveram custo médio de campanha de R$5,76 por voto, já os eleitos por partidos de centro (PTB, PP, PR, DEM, PSDB e PRB) gastaram em média R$14,87 por voto. Quando se analisam os números dos partidos, o PSL também teve o menor custo de campanha por voto conquistado, com R$3,88, contra R$6,31 dos partidos de esquerda que elegeram ao menos um deputado federal e R$14,08 dos de centro. O resultado não foi muito diferente no pleito para as vagas de deputado estadual: os eleitos que apoiaram Jair Bolsonaro durante a campanha, Moacir Barbosa da Veiga Filho (PSL), Gilberto Gomes da Silva (PSL) e Wallber Virgolino da Silva Ferreira (Patriotas), apresentaram uma média de R$1,60 por voto, tendo entre eles o eleito com o melhor custo-benefício dentre todos os eleitos para a ALPB (Wallber, com R$0,48 por voto), enquanto os eleitos por partidos de esquerda (PSB e PCdoB) tiveram média de R$6,22 por voto e os de centro, R$8,52. Tais dados estiveram em sintonia com o fronte do Executivo federal, onde Bolsonaro teve o menor custo por voto dentre os candidatos relevantes, R$0,04, contra R$0,72 de Haddad (PT) e R$1,81 do terceiro colocado, Ciro Gomes (PDT).
Há mais fatores a ser observados na Paraíba. Em João Pessoa, capital do estado, uma das três cidades paraibanas onde Bolsonaro venceu os adversários, o candidato do PSL perdeu em apenas 3 bairros dentre 58 (Ilha do Bispo, Paratibe e Jardim Cidade Universitária) e teve votações parecidas em todas as zonas eleitorais (zona 1: 48,37%; zona 64: 48,92%; zona 70: 51,88%; zona 76: 51,44%; zona 77: 48,55%), tendo vencido os adversários em todas. Isso mostra que a adesão ao político conservador, ao menos na capital paraibana, se deu de forma parecida dentre todas as classes sociais, sexos e graus de instrução. Além disso, notou-se que, entre os pleitos de 2014, quando a politização conservadora ainda não estava em voga e não havia candidatos assumidamente conservadores nas disputas em análise, e 2018, já com a efervescência do bolsonarismo, houve uma alteração clara no custo-benefício das candidaturas de esquerda e de centro: o custo por voto das segundas ficou maior em relação ao das primeiras na disputa por todas as vagas (presidente, deputado federal e deputado estadual) e as de esquerda, na maioria dos casos, melhoraram tal indicador, o que mostra uma possível tendência favorável a candidatos que marcam posição em alguma ideologia. Confira no gráfico (eixo vertical = número de vezes que o custo por voto do centro se deu em relação ao custo por voto da esquerda e do bolsonarismo):
As eleições de 2020 tendem a apresentar resultados parecidos: uma maior facilidade, em termos de custo de campanha, dos bolsonaristas na obtenção de votos e uma maior dificuldade dos candidatos de centro. A pandemia de Covid-19, apontada como calcanhar de Aquiles do presidente Bolsonaro para o pleito deste ano, provavelmente o fortaleceu, sobretudo entre os eleitores de classes sociais mais baixas, tendo em vista o seu posicionamento em favor da retomada da atividade econômica, da qual os mais pobres possuem extrema dependência para que possam sobreviver até mesmo num horizonte de curto prazo, o pagamento do Auxílio Emergencial, inclusive estendido por mais 2 meses, somado ao fato já conhecido de que há uma sintonia intrínseca entre os valores e bandeiras defendidos por ambos. Ademais, segundo pesquisas feitas durante a pandemia, Bolsonaro possui os maiores índices de intenção de voto, com vantagem ampla. A eleição para vereador, tradicionalmente vista como muito mais atrelada a reputações pessoais e profissionais dos candidatos do que à defesa de bandeiras ideológicas, deve ter surpresas, inclusive em João Pessoa, onde provavelmente haverá candidatura majoritária bolsonarista e surgiram outras personalidades de igual alinhamento para o cargo no parlamento municipal. Os políticos de centro, conhecidos por negociar apoios de forma extremamente volúvel e indiscriminada, sempre pairando suspeitas de corrupção em suas tratativas, têm ocupado as vagas políticas, sob a contínua ausência de candidatos conservadores assumidos, a duras penas e com montantes elevadíssimos de dinheiro, não por acaso, o Brasil tem as campanhas eleitorais mais caras do mundo. Suas cadeiras nos parlamentos e no poder executivo devem cada vez mais ceder espaço aos que professam as bandeiras de Direita e demonstram mais coerência com tais princípios. Para 2022 não deve ser diferente, com ainda mais oportunidades para aspirantes a político conservador, tendo em vista o vácuo gerado pelo alto índice de traição ocorrido na base aliada constituída em 2018.
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