1.1.
É a morte o fim de tudo?
... ver artigo postado em 19/08/2020.
1.2.
Um poeta influenciado pelo materialismo, mas de formação cristã. (1ª parte)
... ver artigo postado em 19/08/2020.
CONTINUAÇÃO
do item 1.2. (2ª parte)
(...)
A propriedade em que nasceu
Augusto dos Anjos ficava nas proximidades do povoado de Espírito Santo, no
território de Pilar, terra natal de José Lins do Rego, o talentoso romancista
que contou a epopeia do empobrecimento das famílias dos proprietários dos engenhos
do Nordeste.
Dois anos depois do nascimento do
poeta, o povoado conquistou a categoria de Município, em 07 de novembro de
1886. Sapé ainda integrava o território da nova Comuna, que tempos depois
passou a se chamar de Cruz do Espírito Santo.
Posteriormente, Sapé também
adquiriu autonomia política, em 1° de dezembro de 1925. Hoje, as terras do
antigo Engenho Pau D’Arco ficam em território pertencente a Sapé.
Enquanto Augusto dos Anjos viveu
na Paraíba, os representantes políticos da região não o protegeram nem o
prestigiaram, pois nada fizeram para impedir que fosse demitido do cargo de
professor de literatura.
Os anos passaram, o jovem natural
do Engenho Pau D’Arco morreu muito cedo, longe da Paraíba e passando
dificuldades financeiras com a família. Mas, tornou-se uma celebridade. Aqueles
pequenos Municípios, cujos representantes foram indiferentes ao seu sofrimento,
disputam o título de terra natal do grande poeta do Brasil.
O temperamento investigativo de
Augusto dos Anjos perscrutou o sentido da existência. Mas ele não descobriu as
causas “de todos os fenômenos alegres” nem do “conteúdo das lágrimas
hediondas”. Atormentou-se imaginando que “de todo aquele mundo restava um
mecanismo moribundo e uma teleologia sem princípios.” [1]
As teses materialistas
influenciavam sua obra poética, agravando a sua melancolia e o seu desencanto.
Não sei, contudo, se o transformaram num ateu, ou agnóstico. Penso que não. Os
biógrafos informam sobre sua formação cristã, participando, com os familiares,
de rituais católicos.
Não pretendo suscitar debate
sobre a duvidosa religiosidade de Augusto dos Anjos. Limito-me a dizer que ele
também fez versos revelando sua espiritualidade. No Poema Negro, por exemplo,
descreve os rituais da Sexta-feira Santa, em Roma. Ao observar que “os ventos
gemedores estão dizendo que Jesus é morto”, repele o terrível anúncio da morte
como fim de tudo, exclamando: “Não! Jesus não morreu! Vive na Serra da
Borborema, no ar de minha terra...” [3].
Noutro momento, comovido com a
morte do pai, produz “Soneto” de extraordinária beleza, que atesta sua
religiosidade:
“Madrugada
de Treze de Janeiro.
Rezo, sonhando, o ofício da
agonia.
Meu Pai nessa hora junto a mim
morria
Sem um gemido, assim como um
cordeiro!
E eu nem lhe
ouvi o alento derradeiro!
Quando acordei, cuidei que ele
dormia,
E disse à minha Mãe que me dizia:
“Acorda-o!” deixa-o, Mãe, dormir,
primeiro!
E saí para ver a
Natureza!
Em tudo o mesmo abismo de beleza,
Nem uma névoa no estrelado véu...
Mas pareceu-me,
entre as estrelas flóreas,
Como Elias, num carro azul de
glórias,
Ver a alma de meu Pai subindo ao
Céu!” [4]
Ainda que tenha divulgado teorias
do materialismo, do evolucionismo, e falado muito em morte, decadência e destruição
orgânica, há na obra poética de Augusto dos Anjos vestígios de uma
espiritualidade adormecida, mas que vez por outra desperta como semente
desabrochando do terreno fértil de uma família católica em que foi plantada.
Verucci Domingos de Almeida divulgou,
na rede mundial de computadores, um ensaio em que revela o otimismo e a
espiritualidade contidos na obra poética do artista. A professora da
Universidade Estadual da Paraíba, pesquisadora da poesia de Augusto dos Anjos,
traz preciosos argumentos contrapondo-se às afirmações de alguns críticos que
afirmaram que ele não acreditava em Deus. Reforça a sua tese resgatando um
poema “AMOR E CRENÇA”, publicado em ‘O Comércio’, no dia 04 de outubro de 1901,
no qual o menestrel paraibano se expressa assim:
“Sabes que é
Deus?! Este infinito e santo
Ser que preside e rege os outros
seres,
Que o encanto e a força dos
poderes
Reúne tudo em si, num só encanto?
Esse mistério
eterno e sacrossanto,
Essa sublime adoração do crente.
Esse manto de amor doce e
clemente
Que lava as dores e que enxuga o
pranto?!
Ah! Se queres
saber a sua grandeza,
Estende o teu olhar à Natureza,
Fita a cúpula do céu santa e
infinita!
Deus é o templo
do Bem. Na altura Imensa,
O amor é a hóstia que bendiz a
Crença,
Ama, pois, crê em Deus, e... sê
bendita!” [5]
Compartilho da opinião de quem
sustenta que Augusto dos Anjos acreditava em Deus. Faço essa afirmação
recordando outro soneto em que registrou:
“ULTIMA VISIO.
Quando o homem,
resgatado da cegueira
Vir Deus num simples grão de
argila errante,
Terá nascido nesse mesmo instante
A mineralogia derradeira!
A impérvia
escuridão obnubilante
Há de cessar! Em sua glória
inteira
Deus resplandecerá dentro da
poeira
Como um gasofiláceo de diamante!
Nessa última
visão já subterrânea,
Um movimento universal de insânia
Arrancará da insciência o homem
precito...
A verdade virá
das pedras mortas
E o homem compreenderá todas as
portas
Que ele ainda tem de abrir para o
Infinito!” [6]
Os restos mortais do corpo do
poeta ficaram enterrados em Leopoldina, no Estado de Minas Gerais, que
generosamente o acolheu. Porém, se já não estiver com Deus; se ainda estiver em
repouso, certamente a alma do poeta se encontra adormecida no local em que
ficava a árvore “de amplos agasalhos” guardando “o passado da Flora Brasileira
e a palentologia dos Carvalhos”.
Ali, no terreiro da casa do
Engenho Pau D’Arco, a sua mãe, Córdula de Carvalho, e o seu pai,
Alexandre Rodrigues dos Anjos, ensinaram ao poeta e aos outros filhos do casal
as lições do ensino fundamental e religioso. Por isso, nos dois tercetos do
soneto “DEBAIXO DO TAMARINDO”, o próprio artista profetizou:
“Quando pararem
todos os relógios
De minha vida, e a voz dos
necrológios
Gritar nos noticiários que morri,
Abraçada com a própria eternidade
A minha sombra há de ficar aqui!”
[7]
Se a alma do poeta repousar adormecida na várzea do Rio Paraíba, nos túmulos memoriais, dali sairá para a ressurreição da vida quando ouvir a voz de Jesus, pois fez o bem durante sua breve, melancólica e trágica existência (Jo: 5: 28-29; Dn 12: 2; Ef: 2: 8-10).
[1] AUGUSTO DOS ANJOS.
Versos contidos no Poema “AS CISMAS DO DESTINO”. Obra citada. Págs. 81 e 85
(págs. 74/85).
[2] AUGUSTO DOS ANJOS.
Versos contidos no Poema “AS CISMAS DO DESTINO”. Obra citada. P. 80 (págs.
74/85).
[3] AUGUSTO DOS ANJOS.
Versos contidos no “POEMA NEGRO”. Obra citada. P. 130 (págs. 128/131).
[4] AUGUSTO DOS ANJOS.
SONETOS. Obra citada. P. 117.
[5]
ALMEIDA, Verucci Domingos de. Trecho do ensaio intitulado O OTIMISMO NA POESIA
DE AUGUSTO DOS ANJOS, publicado no Volume 2, número 2 (Maio – Agosto de 2013 –
págs. 111-129), da MIGUILIM – REVISTA ELETRÔNICA DO NETLLI (ISSN 2317-0433),
criada em 2012 pelo Núcleo de Estudos de Teoria Linguística e Literária
(NETLLI/DGP-CNPQ). Págs. 124 e 125.
[6] AUGUSTO DOS ANJOS.
ULTIMA VISIO. Obra citada. P. 152.
[7] AUGUSTO DOS ANJOS. Obra citada. Tercetos do Soneto “DEBAIXO DO TAMARINDO”. Obra citada. P. 73.
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