1.1. É a morte o fim de tudo?
Não há como evitar a morte ou dela fugir. Todo ser vivo perece algum dia. Por essa razão, os indivíduos da espécie humana sempre perguntam: é a morte o fim de tudo? A resposta pode ser sim, ou não.
Se estiver convencida do acerto das teorias do materialismo; se compreender que a realidade do Universo se circunscreve à matéria e ao seu movimento; se entender que é capaz de explicar quaisquer eventos, a pessoa dirá sim, arrematando que a morte é o fim de tudo.
Porém, se for adepta do espiritualismo; se possuir a convicção de que a realidade do Universo ultrapassa a matéria e seu movimento, envolvendo também fenômenos incorpóreos, ideais e imaginários, presentes na mente, no pensamento, na inteligência e na memória de qualquer criatura mais evoluída; se entender que lhe falta aptidão cognitiva para explicar todos os eventos, físicos ou metafísicos, a pessoa dirá não e concluirá que a morte orgânica não põe fim à vida, a qual prossegue noutras dimensões para onde se transporta a alma autônoma, diversa e preponderante em relação à matéria.
Feitas essas considerações, confesso que sou Cristão. Não vejo na morte o fim de tudo, mas uma passagem para a vida verdadeira, a espiritual.
Desejo, nas próximas partes, lembrar dois artistas paraibanos, entre os muitos que refletiram sobre a morte: Augusto dos Anjos e Waldo Lima do Valle.
1.2. Um poeta influenciado pelo materialismo, mas de formação cristã. (1ª parte)
Augusto de Carvalho Rodrigues dos Anjos foi considerado, numa enquete feita na Paraíba, o mais importante filho do Estado, do Século XX.
Os pais dele, Alexandre Rodrigues dos Anjos e Córdula de Carvalho Rodrigues dos Anjos, pertenciam à aristocracia rural, mas, eram economicamente decadentes. O Engenho Pau d’Arco, que lhes pertencia e ficava na várzea do Rio Paraíba, não passava de uma moenda artesanal de cana-de-açúcar sem condições de concorrer com as grandes Usinas que se instalavam na região e em todo o Nordeste.
Na propriedade em declínio, nasceu Augusto dos Anjos em 20 de abril de 1884. Os seus genitores cuidaram de lhe ensinar as primeiras letras e educá-lo, para que pudesse viver com dignidade. Em 1900, matricularam-no na melhor escola pública de segundo grau da Capital, o Liceu Paraibano.
Naquela época, o jovem fazia versos e jamais se distanciou da paisagem natural e humana da propriedade onde morou com os pais e irmãos nos seus primeiro anos. Ferreira Gullar disse que Augusto dos Anjos é um poeta “do Engenho Pau D’Arco” e, também, “da Paraíba, do Recife e do Nordeste brasileiro” do começo do século passado. Os ambientes mencionados aparecem como referências concretas e históricas na obra poética, que se relaciona com a realidade existencial do autor. [1]
Em seus estudos no tradicional Liceu Paraibano e, depois, na renomada Escola de Direito do Recife, onde estudou a partir de 1903, formando-se em Direito em 1907, Augusto dos Anjos familiarizou-se com doutrinas “derivadas do materialismo e do evolucionismo (Comte, Haeckel, Darwin, Spencer)”, as quais influenciaram “profundamente sua visão de mundo e sua poesia.” [2]
É ainda Ferreira Gullar que sustenta a assimilação pelo artista dos conteúdos de teorias materialistas. Produziu versos afirmando que a vida não passa de “um processo químico dentro do qual o corpo humano” se reduz “a uma organização ‘de sangue e cal’, condenada inapelavelmente ao apodrecimento e à desintegração.” Essa niilista concepção recusa sentido à existência, pois “basta um fósforo só para mostrar a incógnita de pó, em que todos os seres se resolvem!” [3] transmite, por outro lado, os sinais da tristeza do escritor em face dos sofrimentos que a vida lhe impôs.
Conto, neste passo, um episódio que muito transtornou Augusto dos Anjos. Ele foi demitido de um modesto cargo de professor de literatura, que exercia no Estado, no ano de 1910. O Governador da época, João Machado, tratou o poeta rispidamente, quando ele lhe pediu uma licença sem vencimentos para viajar e tentar lançar seu livro de poesias na Capital da República. Augusto já era casado com Ester Fialho, com quem teve dois filhos, Glória e Guilherme. Porém, era um jovem orgulhoso e consciente do seu valor. Sentiu-se ofendido em sua dignidade e preferiu sacrificar o emprego, migrando para o Rio de Janeiro com o dinheiro que lhe coube na venda da propriedade herdada de seus genitores.
Na Capital da República, Augusto dos Anjos lecionou e até conseguiu publicar seu único livro, denominado “EU”, em 1912. Porém, o dinheiro era pouco. Ele vivia com dificuldades. Por isso, foi para Leopoldina, no interior de Minas Gerais. Ali foi bem acolhido, conseguindo o emprego de professor de literatura e sendo nomeado para o cargo de diretor de um grupo escolar. No dia 12 de novembro de 1914, naquela Comuna, faleceu vitimado por uma forte pneumonia. Contava apenas 30 anos.
Tempos depois da morte de Augusto, Orris Soares republicou o livro do poeta, com acréscimos de outros poemas inéditos, sob o título de “O Eu e outras poesias”. Isso aconteceu em 1920 e a comunidade literária enfim descobriu a genialidade do menestrel da várzea do Rio Paraíba, que atualmente é consagrado como um dos maiores poetas da língua portuguesa.
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[1] FERREIRA GULLAR, José Ribamar Ferreira. AUGUSTO DOS ANJOS OU VIDA E MORTE NORDESTINA. Ensaio divulgado no livro TODA A POESIA DE AUGUSTO DOS ANJOS E UM ESTUDO CRÍTICO DE FERREIRA GULLAR. Rio de Janeiro/RJ: Editora Paz e Terra. 1976. P. 35 (págs. 13/57).
[2] FERREIRA GULLAR, José Ribamar Ferreira. Ensaio e livro citados. P. 15 (págs. 13/57).
[3] AUGUSTO DOS ANJOS (Augusto de Carvalho Rodrigues dos Anjos). TODA A POESIA DE AUGUSTO DOS ANJOS E UM ESTUDO CRÍTICO DE FERREIRA GULLAR. Versos contidos no Poema “MISTÉRIOS DE UM FÓSFORO”. Rio de Janeiro/RJ: Editora Paz e Terra. 1976. P. 142.
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