Pode existir casamento gay? Uma recusa sem preconceitos

Pode existir casamento gay? Uma recusa sem preconceitos

Conceito de casamento gay com bandeira do arco-íris e anéis | Foto Premium

Há muitas coisas das quais as forças seculares ocidentais conseguiram nos convencer. Dentre elas, foi-nos inoculada a falsa premissa de que negar (normalmente na prática) o status público da religião cristã majoritária num país é sinal de sofisticação e tolerância, não de suicídio. O ocaso atual da afirmação social da fé é em parte compreensível, não simplesmente por causa da falha dos próprios religiosos em mostrar aos descrentes a razoabilidade de sua fé – é rigorosamente falso encarar a descrença como uma decorrência do exercício racional –, mas ainda pelo fato de que, em geral, buscamos menos racionalidade que conforto e adulação, dispondo-nos para tanto mesmo a repudiar as notas próprias da nossa natureza. 

Protestar contra a retração da religião não implica o desejo de impô-la pela espada às consciências, coisa de rejeitar absolutamente. Mas entre este erro e a pregação silenciada e perseguida há o justo caminho: apresentar, convidar, convencer, instigar, oportuna e inoportunamente, não promover o mal nem tampouco outorgar-lhe direitos. 

Seja como for, existem realidades naturais, cuja explicação dispensa a recorrência aos dogmas da fé, uma sutileza em relação à qual nossa sociedade se divide em ignorantes e cínicos. Veja-se, por exemplo, o tema do matrimônio: foi redefinido, ressignificado para comportar supostas modalidades emergentes, embora nenhum de seus redefinidores mais comuns tenha certamente pensado sequer por um segundo nas consequências disso sobre uma instituição multissecular arraigada num dado antropológico evidente.

É o que discutem Sherif Girgis, Ryan T. Anderson e Robert P. George, três gabaritados filósofos norte-americanos, na obra What is marriage? (2012). Sob a estridência da militância, que taxava de arautos do ódio os opositores do same-sex marriage, esses professores provaram “sem dogmatismos” o caráter demasiado nocivo da redefinição do casamento. 

Nas tradições de todas as épocas, o matrimônio sempre foi cercado de garantias institucionais e culturais. Além do consignado no ordenamento jurídico mundial, pensadores dos mais diversos matizes (Xenófanes, Sócrates, Platão, Aristóteles, Cícero, Rufus, Plutarco, Santo Agostinho, Santo Tomás, Hegel, Kant, Gandhi, etc.) teorizaram sobre o casamento. Não por acaso a cerimônia matrimonial é testemunhada por convidados, que representam a aceitação social daquele compromisso assumido.

Contra os que definem o casamento como a relação principal de uma pessoa, a prioridade emocional de um sujeito, o livro argumenta: simples “relação prioritária” não pode definir o casamento, porque não guarda diferença essencial com respeito aos demais relacionamentos; não garante a restrição de número (por que só entre dois cônjuges? Desfeito o fator gênero, não há justificativa para a manutenção do fator número), a exclusividade sexual ou a permanência

What is marriage? então define casamento como uma relação que deve unir os cônjuges em todas as suas dimensões, nos corpos e nas almas, nos bens e no compromisso, servindo aos propósitos de procriação, cuidado, educação da prole e domínio da carne. Baseia-se no fato antropológico da complementaridade (características paternas de contenção da agressividade e exaltação da masculinidade, características maternas de sensibilidade e cuidado), no fato biológico da reprodução (que requer um pai e uma mãe) e no fato social de que as crianças têm direito a um pai e uma mãe.

O Estado se interessa pelo casamento, diz Anderson, não em virtude da vida amorosa dos cidadãos, não para validar os desejos dos adultos, e sim por estar cônscio dos graves problemas sociais e civilizacionais presentes nas sociedades cujos verdadeiros casamentos não são preservados. Em 2014, 40% dos norte-americanos, 60% dos hispânicos e 70% dos afro-americanos nasceram de mães solteiras. É inconteste: como homens e mulheres são antropologicamente distintos e complementares (não existem pais que são mães e mães que são pais, porque a diferenciação de papéis de gênero nos é inerente, seja no nível da natureza, seja no nível estritamente social) em suas funções, crianças nascidas em lares sem pais têm muito mais chances de cometerem crimes e engravidar fora do casamento. 

Há outros efeitos já experimentados por nós. Uma vez redefinido o casamento, não há motivos para não avançar no redesenho, recepcionando novas modalidades que acabarão por desconfigurar de vez qualquer distinção essencial entre o casamento e as nossas demais relações. O divórcio foi o primeiro passo para a sua trivialização, ressaltando acima de tudo o desejo dos adultos. Agora, mostram os autores, surgem termos como “throuple” (“tresal”), que, diferente da relação poligâmica, preconiza o “poliamor”; “monogamish”, criado pelo ativista gay Dan Savage, que reputa perversa a noção de exclusividade sexual no matrimônio; “wedlease” (de wedlock: casamento), um casamento de aluguel, firmado mediante um contrato com duração determinada – a ser renovado em caso de satisfação dos clientes, claro. 

Supondo que os argumentos por nós expostos estivessem equivocados (e não vejo como estariam), também os partidários do casamento gay menos entusiasmados, pasmos com os exageros da militância, não poderiam se contentar com o conceito clássico de casamento aplicado a dois homens ou a duas mulheres, pois há quem argumente com fundamento que isso seria homofóbico, já que exigiria o reconhecimento da união gay ao preço de submetê-la à definição heterossexual. 

O efeito seguinte é sobre os religiosos e profissionais do ramo de matrimônios. Agências de adoção católicas e evangélicas, conquanto apresentassem dados como os referidos acima, foram obrigadas a encerrar suas atividades, mesmo havendo outras agências laicas de adoção. A fotógrafa evangélica Elaine Hughes, diz Anderson, certa vez declinou educadamente de trabalhar numa cerimônia gay, alegando que o trabalho não ficaria a contento dos dois homens contratantes. Estes poderiam ter simplesmente procurado outros fotógrafos. Elaine não recusou “fotografar um homossexual” – aniversário, formatura, etc. Ainda assim, foi sentenciada pela Suprema Corte do Novo México a pagar quase U$ 7.000 aos dois, porque, anotou um dos juízes, tirar aquelas fotos era o “preço da cidadania”.

Não sem uma boa dose de cinismo se pode acusar de hater quem simplesmente aponta a instabilidade estatisticamente comprovada de lares de parceiros homossexuais (cf. o conhecido estudo de Mark Regnerus na Social Science Research, de idoneidade posteriormente ratificada pela Universidade do Texas). É óbvio que toda discriminação injusta a pessoas deve ser vigorosamente combatida, mas a cúpula da militância certamente sabe: realizada assim, a luta pela pretensa “igualdade gay” só pode dar-se fulminando a instituição heterossexual.


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