Como se sabe, após séculos de revoluções violentas, os agentes se deram conta de que, para fazer emergir as conquistas da Revolução ou mesmo para consolidá-las, uma transformação muito mais profunda devia ser levada a cabo. Robespierre iniciara uma desgraçada revolução política. Babeuf tentara a econômica. Mas foi Sade quem se considerou apóstolo de uma revolução que transcenderia ambas: a sexual, aquela incidente sobre os corpos de homens, mulheres e crianças, tornados propriedade comum, despidos (para dizer com Huxley) de todas as inibições e decências, naturais ou culturalmente concebidas.
Há quem veja em Sade, no fim das contas, um acanhado, assustado com os infortúnios da virtude; para esconder-se, não pode senão mostrar-se; sua crueldade seria um modo de livrar-se do peso da perda do objeto amado. Com efeito, o próprio Sade chega a reconhecer que “o homem moral encontra-se num estado de tranquilidade e paz, enquanto o homem imoral encontra-se em perpétua inquietação” (Justine, Philosophy of the Bedroom & Other Writings. New York: Grove Press, 1965, p. 315).
Não é suficiente, contudo, para recomendar seus textos, expressão de pura loucura, pois Sade, diante desse reconhecimento, atribuía valor positivo às inquietações, ao caos passional, à devastação gnóstica. Santo Agostinho matou a charada, ao perceber (em seu A Cidade de Deus) o caráter paradoxal da libertinagem: desde a história de Sansão e Dalila, a “libertação sexual” é utilizada como ferramenta de controle, o indivíduo é dominado por sua libido dominandi – o desejo pela dominação. O Apóstolo São Paulo mostra como o pecado é escravidão. Conforme brilhantemente explica E. Michael Jones, os iluministas não criaram um novo homem, e sim inverteram a verdade referida por Agostinho. É a Cidade do Homem (o desprezo de Deus e o amor do ego) contra a Cidade de Deus (o rebaixamento do ego e a exaltação divina), numa dicotomia da qual o indivíduo fatalmente sairá, qual Sísifo, derrotado.
Nelson Rodrigues, grandemente influenciado por Santo Agostinho (embora muitos dos escritos do dramaturgo, sobretudo de seu teatro, sejam de rejeitar), expressou essa constatação na figura do “crioulo do Grapete” – o vendedor de refrigerantes das praias cariocas que, de tanto ver as lindíssimas mulheres seminuas, já não lhes dava a concessão de um olhar, entorpecido por um pungente tédio visual. A nudez fora de propósito, conclui Nelson, mata (não só o amor, mas também) o desejo (embora seja evidente que o papel da veste não é o de simplesmente estimular o desejo). Profético. Numa trágica dialética, uma sociedade submersa na pornografia imprimirá às próximas gerações o desinteresse pelo sexo. A desvinculação de sexo e compromisso conjugal foi o primeiro passo. O seguinte, o total aprisionamento dos indivíduos em si mesmos, por se tornarem, com base nos modelos irreais de pornografia fabricados por Photoshop, absurdamente exigentes. No caso dos homens, conjugue-se isso com os demais componentes da engenharia social de emasculação vigente e a desfiguração de sua força vital reativa estará completa.
A libertinagem sexual é uma maneira muitíssimo eficaz de controle político, assim como, de acordo com Jones, a pornografia sempre foi um modo de controle financeiro. Iniciados na servidão ao pecado, passamos à servidão financeira e logo à submissão política. Numa relação compensatória, estimulada por incessantes máquinas de propaganda, a liberdade sexual cresce à medida que decresce a liberdade cidadã. Não bastando instilar nas pessoas o consumo desenfreado e a devassidão, o problema central de gestão pública passa a gravitar em torno da necessidade de fazer com que as pessoas amem sua escravidão.
A revolução sexual, portanto, não deve ser vista como a mera exposição de vícios, mas como a racionalização (político-financeira) do vício sexual. Podemos permanecer na ilusão autoimposta de que os agentes da transformação mundial (globalistas e afins) não se valem (e não se valerão) disso.
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