A ocorrência constante de fatos delicados envolvendo as altas cúpulas dos poderes da República brasileira, baseados em assuntos de extrema complexidade, com a qual apenas os agentes diretamente envolvidos em seus bastidores são capazes de se inteirar e ter a possibilidade de lidar, exige decisões que sempre desagradarão ao menos algum grupo relevante de interesse. Isso porque governar é fazer escolhas, o que pressupõe não escolher as demais alternativas, não favorecer, naquele momento, certos interesses e grupos, por conta de um objetivo pretensamente maior. O presidente Jair Bolsonaro, assim como qualquer chefe de Estado que já exerceu sua função, precisa, em todos os dias de seu governo, tomar essas decisões, em nome do difuso interesse da maioria do povo brasileiro.
A pirotecnia midiática sobre a mera rotina presidencial ganhou proporções sem precedentes no atual governo. Isso porque o presidente escolhido pela maior parte dos eleitores representa um ideário popular represado durante décadas pelo estamento burocrático nacional, mas que está atrelado às raízes culturais do país. Jair Bolsonaro, que personifica o movimento político de reação da sociedade brasileira à opressão das oligarquias, sejam elas políticas ou econômicas, tem sua mais corriqueira tarefa de líder institucional agravada em inúmeras vezes por conta do contexto do qual é um protagonista. Diante disso, há dois grupos de interesse marcantes nos bastidores do Executivo: o de positivistas e o de conservadores. O embate entre ambos não surgiu recentemente e seus respectivos correligionários não necessariamente são conscientes da corrente de pensamento originária que guia sua visão política, principalmente os primeiros. A aclamada ascensão militar, eivada de positivismo, ao poder em 1964, em oposição a narrativas artificialmente popularizadas na atualidade, se deu seguida de forte perseguição aos ícones do conservadorismo no país, como Carlos Lacerda, Gustavo Corção, Nelson Rodrigues e Rachel de Queiroz, e de um fortalecimento sem precedentes nacionais da intelectualidade de esquerda, com a venda em grande escala de seus livros ideologizados, domínio sindical e ocupação de jornais e universidades. Os militares brasileiros, como se tornou ainda mais marcante na proclamação da República, são há muito tempo influenciados pela arrogante ideologia que despreza ideologias e se coloca acima delas, mas, ao mesmo tempo, entrega os maiores e mais importantes espaços à pior delas. Essa cegueira política que superdimensiona o tecnicismo é ingênua o suficiente para ceder involuntariamente o poder aos algozes gradualmente e é hoje um grande pilar de influência do líder constituído justamente para iniciar um ciclo político de libertação de um povo cada vez mais acuado pelos ocupantes despóticos das instituições de seu país, aqueles contra os quais a mesma ala positivista se omite e subestima.
A narrativa de que o presidente precisa ignorar ou até desprezar as bases conservadoras que o levaram ao poder em nome do povo, sob o pretexto de "estabilizar" o governo e inibir os ataques odientos do establishment, também acompanhada de diagnósticos e análises falidas, que inclusive apontam a vitória de Bolsonaro como resultado de fatores exclusivamente transitórios, como uma mera crise econômica, um descrédito do partido que encabeçava o poder e até mesmo uma facada, apenas move esforços para devolver os espaços conquistados a duras penas pela população, num resgate às raízes culturais do país, aos seus maiores inimigos, que há décadas deterioram as instituições de dentro para fora na busca doentia por engenhocas sociais totalitárias. A articulação política, elementar em qualquer função em que haja a mínima divergência de interesses entre um coletivo de indivíduos, não pressupõe renúncia da essência de nenhum negociador, a não ser que esta consista em aniquilar seus semelhantes. E é exatamente a grupos que defendem este último princípio que os pretensos paladinos da diplomacia querem que os proponentes da liberdade e da boa cultura nacional se curvem. É inadmissível que o presidente Bolsonaro siga tal cartilha, pois isso desfiguraria a verdadeira razão pela qual ele está na posição em que está e a própria pessoa Jair Bolsonaro, caracterizada pela autenticidade, espontaneidade, simplicidade e identificação popular, em detrimento dos luxos obscuros incutidos nas negociatas tradicionais.
Há, no entanto, a versão extremada da ala conservadora, dentro e fora do governo. Os que estão inclusos nesta merecem muito menos pesar que os da corrente adversária nesse conflito interno de "bolsonaristas", pois são, em grande parte, pessoas cuja principal ocupação não é a política do dia, não estando dotados das necessárias informações privilegiadas dos bastidores do poder para que possam emitir juízo de valor apurado. Suas opiniões carentes de embasamento prático terminam por estremecer a estabilidade governamental ao exigir posturas e atitudes inviáveis ao contexto político nacional e ao próprio convívio básico da classe política. Somado a alguns intelectuais conservadores cujo senso de realidade é excessivamente abstrato, há os manifestantes populares. Se os primeiros não têm como ocupação o aspecto prático da política, os segundos não possuem nem o prático, nem o teórico, e isso acarreta em expressões por vezes extravagantes e imprecisas, mas ainda assim dotadas de toda a sinceridade e legitimidade. Seus anseios caricatos e irrealizáveis dentro do regime democrático devem ser interpretados no contexto da indignação generalizada dos brasileiros, represada e órfã de representatividade por várias gerações, o que gerou um ódio crônico da política. Essa revolta natural deve ser racionalmente conduzida pelos detentores eleitos do poder institucional, que, munidos de uns conselheiros proficientes na seara filosófica e outros dotados do conhecimento exclusivo das autoridades da República sobre o trânsito governamental, devem encontrar um meio termo entre concessões ao Sistema e respeito aos valores fundamentais que não desvirtue sua essência e possa cumprir o objetivo original na medida do possível. Esse complexo caminho, evidentemente, é composto por tentativa e erro, aflorando em diversas vezes mais um lado ou outro do que o ideal, mas convergindo ao ponto ótimo.
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