A disputa pela prefeitura municipal de João Pessoa, bem como pelas 27 cadeiras da vereança, tem demonstrado ser uma das mais acirradas e diferenciadas da história da cidade por diversos motivos. Além das notórias condições e tabus criados pela pandemia de Covid-19, restringindo o modo de fazer campanha dos candidatos, já afetados por sufocantes legislações eleitorais que reduziram os dias de campanha e impuseram uma série de proibições pouco razoáveis, e obrigando-os a utilizar muito mais do que o normal as redes sociais, há também os fatores políticos atípicos ligados ao fato de ser o primeiro pleito municipal da redemocratização sob a vigência de um presidente da república de direita, e com alta popularidade, diga-se de passagem.
As comparações da conjuntura política e eleitoral pessoense com a brasileira evidenciada em 2018 são inevitáveis, mas incrementadas de fatores peculiares à cidade e à própria esfera municipal. O que mostrou a primeira pesquisa publicada, do Ibope, indicou uma grande indefinição, sobretudo entre os quatro primeiros colocados, Cícero Lucena (Progressistas), Nilvan Ferreira (MDB), Ricardo Coutinho (PSB) e Wallber Virgolino (Patriotas), tecnicamente empatados considerando a larga margem de erro de quatro pontos percentuais, com os dois que já governaram a cidade, Ricardo e Cícero, com as maiores rejeições perante o eleitorado. No entanto, existem variáveis ocultas na disputa que não são reveladas em levantamentos como esse, como o inegável potencial de crescimento da candidata apoiada pelo atual prefeito, Edilma Freire (PV), que aparece na pacata sexta posição, com apenas 5% das intenções de voto. A máquina pública sempre possui uma grande capacidade de angariar votos, seja para o governante que busca reeleição, seja para seu candidato a sucessor, pois os cargos comissionados e de prestadores de serviço são diretamente atrelados à gestão vigente. Em caso de insucesso eleitoral do grupo político que comanda a máquina, a grande maioria do funcionalismo público ligado à instituição pode perder o emprego, sua fonte de renda, muitas vezes a única, sobretudo em tempo de crise econômica, como é o caso. São 27.150 servidores ligados à prefeitura de João Pessoa, sem considerar os concursados, e a cidade possui 522.269 eleitores. A significância eleitoral, por si só, do funcionalismo público municipal cujo emprego depende diretamente da eleição de Edilma é de 5,2%, mas seu potencial não se limita a tal número, pois é preciso levar em conta os familiares e amigos próximos desses funcionários. Por isso, até o final do primeiro turno, a candidata do governo deve crescer bastante, apesar de sua falta de carisma e votos verdadeiramente espontâneos e de ter sofrido diversas perdas importantes de apoio de secretários e estar em uma coligação modesta, algo que provavelmente tem como uma das principais causas o estilo de fazer política do prefeito Luciano Cartaxo (PV), sempre que possível buscando emplacar alguém ligado à sua família em cargos eletivos, como faz com Edilma, sua concunhada, a despeito de méritos e maior capacidade de aliados.
Outra questão muito relevante a ser abordada é o já mencionado efeito da presença de Jair Bolsonaro com elevado índice de aprovação, em alta sobretudo no nordeste, com o Auxílio Emergencial, na presidência da república. A capital paraibana, não muito diferente do Brasil de modo geral, possui um eleitorado fortemente conservador e isso foi apontado no pleito de 2018, tendo sido uma das poucas cidades nordestinas a dar mais votos a Bolsonaro do que aos outros candidatos no primeiro e no segundo turno, vencendo em praticamente todos os seus bairros. O elevado índice de transferência de voto de Jair para seus apoiadores também já é conhecido e fez deles os candidatos com melhor custo-benefício de campanha, gastando muito menos por voto do que adversários de esquerda e de centro. A despeito dos gastos extraoficiais de campanha, que são inegavelmente recorrentes no Brasil, a prestação de contas registrada no TSE é ao menos uma aproximação da realidade, tendo em vista que, por uma questão de lógica, aqueles que gastam mais extraoficialmente tendem também a declarar oficialmente quantias mais elevadas do que aqueles que gastam menos extraoficialmente. A disputa pessoense tem entre suas principais alternativas exatamente o deputado estadual bolsonarista paraibano eleito em 2018 com o menor gasto de campanha registrado por voto: Wallber Virgolino, com apenas R$ 0,48 por voto. Isso mostra claramente o grande potencial eleitoral dele para esta eleição, que mesmo sem o apoio oficial de Jair Bolsonaro, sendo relativamente novo na política e não muito conhecido na cidade, consegue estar tecnicamente empatado em primeiro lugar nas intenções de voto, além de apresentar a menor rejeição entre os quatro primeiros. O presidente, não obstante sua postura de não participar da maioria das eleições municipais pelo país, aparece com Wallber em diversos vídeos e fotos demonstrando considerável intimidade e vínculo amistoso, inclusive elogiando seu trabalho como delegado, comentando sua performance em debate e pedindo para "continuar honrando", o que pode indicar algumas surpresas em favor do candidato até o final da campanha. Além disso, o perfil de Wallber tem aparentado semelhança cada vez maior com o de Bolsonaro em diversos aspectos: sofre acusações parecidas, de truculência para com adversários; tem estrutura de campanha modesta, com apenas um partido, pequeno, coligado; foca sua campanha no debate moral; vem de uma instituição da segurança pública; e é um outsider.
Nilvan, um conhecido e experiente comunicador, da televisão e do rádio, tem conseguido, pelo menos até o momento, cativar parte significativa do eleitorado de baixa renda, o público responsável por grande parte de sua audiência. Largou muito na frente nas intenções de voto por ter anunciado pré-candidatura antes e ter estado atuando diariamente na grande mídia local até recentemente, mas caiu vertiginosamente com o passar dos meses, após o anúncio de outras pré-candidaturas fortes e o fim do prazo de desvinculação imposto pela lei eleitoral. Contratou o competente e caro marqueteiro Lucas Salles, que trabalhou na vitoriosa campanha de Jair Bolsonaro, e tem o apoio de um tradicionalíssimo cacique político paraibano, José Maranhão (MDB). O que pesa contra o prefeitável é, além da máxima de que audiência midiática ou jornalística não é sinônimo de voto, em virtude das diversificadas preferências políticas de seu público, a Operação Vitrine, que, em segredo de Justiça, apura denúncia contra ele de venda de produtos falsificados e estelionato, e o fato de seu principal eleitorado ser o mais passível de ser captado pelas máquinas públicas do município e do estado, capazes de cativá-lo com benesses, empregos e obras de última hora, nas vésperas da votação.
Cícero Lucena, um político bastante controverso, que conta com muitos admiradores, mas também muitos que o reprovam como figura pública e gestor, após desiludir-se com seu antigo e tradicional partido, o PSDB, migrou para a sigla com um dos mais influentes caciques políticos do estado, Aguinaldo Ribeiro (Progressistas), e aliou-se a outros dos maiores, como Wilson Filho (PTB), cujo pai é alvo da Operação Pés de Barro, ex-aliados de Luciano Cartaxo e o próprio governador, João Azevêdo (Cidadania), eleito com o apoio de Ricardo Coutinho e um dos principais alvos da Operação Calvário. Cícero conta com seu eleitorado tradicional, composto majoritariamente por correligionários saudosistas, de mais idade, com a força da máquina do governo do estado, que embora não deva pesar tanto quanto a do município, já que sua eventual derrota não gerará desemprego em massa no funcionalismo estadual, é influente, e com os redutos eleitorais de seus aliados políticos profissionais. Por já ser muito conhecido na cidade e ter alto índice de rejeição, as intenções de voto dele devem não crescer de forma relevante, mas é muito cotado para ir ao segundo turno. Além de tais fatores conjunturais mais explícitos, está posta uma articulação mais implícita e vista como pouco provável há alguns anos. Ricardo Coutinho, apesar de algoz histórico de Cícero, é muito vinculado ao governador e pode ter se lançado como candidato para ajudá-lo a eleger seu apoiado. Sua presença no pleito, nos debates e na campanha tira muito de Cícero o estigma atrelado à Operação Calvário, já que o ex-governador é o maior alvo desta. Ricardo, de forma semelhante a Cícero, é muito conhecido pelos eleitores e tem uma rejeição quase 50% maior, ou seja, tende a não oferecer muitos riscos aos adversários na corrida pelo segundo turno, mas tem o papel importantíssimo de manipular os holofotes da campanha.
Quanto a Ruy Carneiro (PSDB) e Raoni Mendes (DEM), dois coadjuvantes muito parecidos, resta apresentar boas exposições retóricas e propositivas a fim de usar o pleito como projeção para disputas futuras menores. Além disso, o desempenho de ambos nas pesquisas tem maquiado o potencial de Wallber, tendo em vista que seus eleitorados são muito semelhantes e, por conta do voto útil, devem migrar, nas vésperas, ou até mesmo no dia da votação, para seu representante ideológico com mais chances de segundo turno e mais firme na defesa dos princípios aos quais aderem, como ocorreu em 2018, de Geraldo Alckmin para Jair Bolsonaro. As cumulativas alianças com subcelebridades da política anunciadas por Raoni não devem fazer crescer de forma relevante as intenções de voto a seu favor, frente à tendência já citada. O fato de Ruy e Raoni já terem sido aliados por muito tempo dos dois candidatos mais rejeitados, Cícero e Ricardo, respectivamente, também deve ser determinante na escolha do voto por parte do eleitor mais à direita.
Esta eleição é mais imprevisível que o normal, mas, de acordo com esta análise, tem como mais cotados para o segundo turno três candidatos: Cícero, Wallber e Edilma. Caso o candidato bolsonarista consiga ir ao segundo turno, provavelmente deve contar com o apoio público do presidente Bolsonaro e deve ser o vencedor contra qualquer destes adversários. Caso a disputa fique entre Cícero e Edilma, será um confronto duro, mas com certa vantagem à candidata do prefeito, por ter baixa rejeição, dispor do apoio de uma máquina pública mais influente na eleição e pelo fato de a gestão do prefeito ser mais bem avaliada pelos pessoenses que a do governador.
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