Um balanço das eleições 2020 no Brasil

Um balanço das eleições 2020 no Brasil

Os pleitos municipais que ocorreram por todo o Brasil em 2020 aparentaram certo desprendimento com a atmosfera política de 2018, entretanto, há muito mais a ser constatado no contexto deles do que uma simples comparação de domínios partidários. As primeiras eleições para prefeito e vereador sob a vigência de um governo federal de direita no pós-redemocratização tinha tudo para ser uma enxurada conservadora, com desilusões do establishment político, mas um somatório de outros fatores atípicos fez o resultado divergir radicalmente desse prognóstico, sem fugir da essência ideológica dos brasileiros.

Um país de cultura e preferências maciçamente conservadoras não votou em candidatos aberta e ostensivamente conservadores ou novamente não teve tais opções à disposição, como era rotina antes de 2018. Isso pode ser explicado pela ainda embrionária direita brasileira enquanto movimento político, sem domínio de instituições relevantes, militância organizada e classe intelectual própria de alto nível. Esta última, em formação no país, derivada das obras de Olavo de Carvalho, será a responsável por guiar filosoficamente, direta ou indiretamente, uma futura militância, que atualmente é dispersa e pouco instruída. A consequência de tais ausências faz com que os cabos eleitorais conservadores se dividam entre candidatos alheios aos interesses do próprio movimento, por conta do vácuo conceitual da direita nacionalmente, o que enfraquece candidaturas genuinamente conservadoras. A falta de um partido conservador também contribui para isso, pois seria um delimitador ideológico natural de candidatos. Sem ele, sobram apenas as pequenas legendas, muito pouco estruturadas e divididas, ou submeter-se a grandes partidos de centro e seus conchavos. Em 2018 esse problema esteve amenizado pelo fato de o movimento conservador brasileiro estar no auge da personificação em Jair Bolsonaro e pelo simples fato de este estar num partido.

O centro, que deveria ser uma representação da moderação ideológica, levemente inclinada à esquerda ou à direita, no Brasil é um amontoado de siglas sem bandeiras que meramente pleiteiam cargos e poder pelo poder, o que motivou o apelido pejorativo de "centrão". Apesar de tal configuração, os eleitores conservadores do país, majoritários e despolitizados na média, tradicionalmente tendiam, e ainda tendem, a votar em candidatos e partidos de centro, sobretudo para parlamentos, isso porque, entre as opções disponíveis, esquerda e centro, aquela que menos se distancia de sua ideologia é a segunda. O fato de os partidos sem ideologia definida terem crescido mais em 2020, que contou com pouquíssimas candidaturas de direita, é a reafirmação do firme conservadorismo do eleitorado nacional, ainda que conceitualmente difuso. Apesar de serem opções melhores que as de esquerda, ainda representam obstáculos aos brasileiros, que veem suas preferências genuínas ignoradas por aqueles que deveriam representá-las e seu presidente, com o governo eivado de concessões políticas, tornando-o quase impotente em atender as pautas que o levaram ao cargo. Tal limitação também se aplicou ao âmbito eleitoral de 2020, no qual se viu Jair Bolsonaro, o maior líder político brasileiro em atividade, agindo de forma extremamente tímida, tolhida pelas negociatas com o establishment e pela falta de um filtro objetivo para identificar apoiadores fiéis. A postura dele nos pleitos deste ano se traduziu em arremedos de campanha para míseros 61 candidatos, entre postulantes a vereança e prefeitura, em eventos esporádicos, como lives de Facebook e entrevistas. Não participou de discursos públicos ou propagandas mais bem elaboradas, nem fez campanha presencial nas respectivas cidades dos candidatos apoiados. Isso resultou na vitória de apenas 15 deles. O centrão agiu para drenar seu potencial de transferência de voto para que as suas próprias candidaturas captassem o eleitorado conservador, do presidente, por falta de opção ou por não conseguir enxergá-las sem orientação de uma liderança maior, como explicado. Esse cenário, numa realidade aonde os votantes brasileiros vinham de um vislumbre fosco de como se caracteriza um direitista em disputas eleitorais, possivelmente contribuiu para abstenções recordes, tendo em vista o retrocesso ideológico em seus pleitos.

O Partido Social Liberal (PSL), pelo qual Bolsonaro se elegeu em 2018, herdou um volumoso fundo eleitoral, fruto justamente das numerosas vitórias de candidatos que acompanharam a ascensão do movimento de direita, mas o traíram quase em seguida, ou seja, os recursos dos quais deveriam dispor os genuínos candidatos conservadores em 2020 estiveram em poder de uma variação exótica do centrão, que também cresceu em número de prefeituras.

Ademais, o que se viu foi o eleitorado de esquerda migrar do PT para o PSOL, num claro processo de reciclagem frente à opinião pública, a fim de tentar desvincular seus ideais da corrupção explícita, mas, para isso, radicalizando mais os traços totalitários. "Pesquisas" eleitorais novamente favoreceram os candidatos mais à esquerda, sobretudo na véspera das votações, o que reflete o persistente domínio das maiores instituições formadoras de opinião do país por parte dos adeptos de tal espectro ideológico. Para 2022, com a possível criação do partido Aliança Pelo Brasil, emperrada por restrições impostas pelo próprio establishment, o conservadorismo deve estar eleitoralmente mais fortalecido e deve-se ver o poder de transferência de voto do presidente Bolsonaro ainda mais potencializado que em 2018, quando não detinha a máquina pública e não havia mostrado seus dotes administrativos, que hoje são celebrados até mesmo por um eleitorado que nunca foi seu.


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