Poucas coisas são mais complicadas que estar à frente de uma nação, conduzindo seus rumos. Só espécimes humanos muito incomuns são capazes da proeza de ser mais xingados que árbitros de futebol, e, certamente encabeçando a lista, sem dúvida constam os presidentes de países. É tarefa inglória tentar agradar gregos e troianos.
Qualquer cidadão bem-intencionado admitirá que não se pode a um só tempo ter paz e chefiar o Brasil. Nossas mazelas são vultosas, e bandos imensos de palpiteiros se arregimentam dia após dia para contribuir com enérgicos pitacos ex cathedra que, se o presidente considerasse – ah, se ele desse ouvidos! –, mudariam para sempre os destinos desta ruidosa Terra de Santa Cruz, embora não saibamos se para melhor. É mesmo de ter uma paciência de Jó anestesiado por tranquilizantes!
Mas há responsabilidades intransferíveis. Neste mesmo espaço de Pensando Direita, já fiz menção ao momento em que pragmatismo se torna mau-caratismo, onde o suposto “mal menor” se transforma em adulação da imoralidade. Ademais, o perigo de sempre agir com base no “foi o que deu” é o de também incentivar uma permanente posição defensiva e uma desculpa para trabalhar em “baixa performance”.
Santo Tomás de Aquino ensina que a gratidão possui três graus. O primeiro, intelectual, consiste no reconhecimento do benefício recebido; o segundo, propriamente do âmbito do agradecimento, diz respeito ao louvor pelo bem obtido; o terceiro, o do vínculo, por assim dizer, refere-se à retribuição oportuna, segundo as possibilidades do beneficiado (S. Th. II-II, q. 107, a. 2, resp.).
Não duvido das boas intenções de Jair Bolsonaro, mas, a meu modesto ver, o presidente ultrapassou a barreira, cedeu demais ao jogo político. Isto se verifica de muitas formas: da evitável indicação de Kássio Nunes Marques (e só com muita desfaçatez se pode dizer que este “foi o que deu”, uma vez que o próprio Bolsonaro declarou ter com ele “cem por cento de alinhamento”) à intimidade suicida com o Centrão, chegou, pelo seu silêncio, a instilar nos seus apoiadores mais aguerridos e perseguidos o sentimento dos covardemente traídos. Não espero que Jair se envolva com as eventuais tolices de seus apoiadores, apenas que preserve o senso de lealdade e de justiça.
Um breve vídeo animado, postado ontem no perfil de Bolsonaro no Instagram, sugere que o presidente se vê como um mártir apedrejado pelo povo ingrato, por, evitando um mal superior, causar alguma destruição. Em seguida, o tom é de advertência (não direi de ameaça): sem ele, que seria de nós?
Gratos a Deus por evitar o mal maior do possível retorno do PT à cadeira majoritária do Executivo, não podemos nos furtar de perguntar a Bolsonaro se ele se julga mesmo a salvação da população ou se, contrariamente, esta última seria talvez o esteio para a manutenção de seu cargo contra a escalada autoritária do Judiciário nacional.
Em 2022, o Centrão certamente lançará fora Jair, caso ele não se molde a ponto de ser o candidato de PP, Republicanos, MDB, etc..
Esperamos que o líder político da nação não esqueça de que, para o sucesso da missão, os meios também importam. Gratidão, Bolsonaro...
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