O mito do capitalismo brasileiro

O mito do capitalismo brasileiro


No Brasil, uma das causas da baixa produtividade é o ensino muito fraco, não por falta de recursos. O país investe mais de 16% de seu orçamento público em seu ensino, acima da média internacional, em torno de 10%, e de vários países desenvolvidos, como Dinamarca, Noruega e Japão, entre outros. O problema não é esse. O Brasil tem mais de 99% de crianças e adolescentes matriculados nas escolas; 93% dos adolescentes estão alfabetizados. Onde está o problema? Nas notas do Pisa, o Brasil está na rabeira em todos os assuntos: matemática, português, interpretação, redação, etc.. Outra questão: o Brasil é considerado o terceiro país mais ignorante do mundo por um instituto britânico que fez um levantamento com várias nações. Somos, por outro lado, o terceiro país do mundo que mais forma professores, mas também o terceiro país do mundo que menos forma profissionais na área de ciência e tecnologia. O que está errado? 

Há uma enorme produção de artigos científicos, em termos quantitativos o país está bem em produção intelectual de suas universidades, no entanto, grande parte desses artigos não é citada em outros trabalhos. A partir disso tem-se uma noção do nível de relevância desses artigos produzidos. Será que esses artigos realmente são importantes? Eles geram valor à sociedade? Ou estão lá só para fazer número, para o aluno ganhar uma bolsa ou algo parecido? Todos os indícios apontam para isso. 

Então há uma configuração periclitante, basicamente explicada pelo fato de o professor ser colocado como alguém que educa, não como alguém que ensina, e por uma política de investimento totalmente mal pensada e mal planejada. Em média, o Brasil gasta 975 reais por aluno nas escolas públicas e 3.000 por aluno nas universidades. O certo seria inverter essa pirâmide, porque como um aluno chegará à universidade, que é o ensino superior, mais científico, de mais alto nível, se ele não tem a base? Como ele conseguirá ser um bom universitário, diplomado e profissional, se não sabe fazer conta direito, ler direito, e não sabe interpretar? A universidade deve ser o centro científico da sociedade. 

Como funciona o método científico? Há primeiro a observação. Como alguém que não sabe interpretar os textos vai formular hipóteses de forma decente, de forma séria? Ele não entenderá o que lê, não entenderá a realidade, fará análises distorcidas e já partirá de uma base totalmente equivocada no método científico. Experimentação: utilizamos métodos quantitativos para fazê-la, estatística, avaliação de casos, espaço amostral. Isso exige algum entendimento em matemática. Como a pessoa conseguirá testar as hipóteses que formulou, já de forma duvidosa, se não sabe sequer fazer conta? Os métodos quantitativos serão utilizados de maneira falha ou serão praticados com grande dificuldade, na melhor das hipóteses. Então, se não se sabe formular hipóteses, fazer a experimentação e, sobretudo, não se sabe publicar o que se conseguiu estudar de forma decente, não sabendo escrever direito, não tendo domínio da norma gramatical, pôs-se abaixo todo o método científico da universidade brasileira. 

Há também um outro aspecto a ser abordado: o contraste entre setor público e setor privado, em termos de produtividade e remuneração. Os professores de instituições estatais, assim como qualquer funcionário do setor público, têm uma tendência a ser menos produtivos que no setor privado. Isso não é opinião ou especulação, é comprovando, tanto pelo IBGE, que mostra que aproximadamente dois terços da composição do subsetor da economia brasileira que mais decresce sua produtividade, sendo também o segundo mais improdutivo, são formados por funcionários públicos. Há também o dado do Fórum Econômico Mundial, que em 2014 fez um levantamento que mostrou que o Brasil está atrás de 135 países dentre 144 no ranking de produtividade do setor público. Comparando setores privados, está em trigésimo sexto. Esse contraste não pode ser refutado meramente por depoimentos como: “conheço funcionários públicos dedicados, que realmente trabalham bem”. Óbvio que existem, mas isso esbarra no estudo científico sério. Não se pode citar casos anedóticos, testemunhos limitados por nossa convivência local, para se contrapor a uma evidência científica abrangente e global. Estão em outro nível. O fato de existir funcionários dedicados no setor público só mostra que eles seriam mais produtivos ainda no setor privado. Por quê? Por causa do ambiente ao seu redor, que favorece a produtividade: não há estabilidade no emprego, pode haver demissão em caso de improdutividade; os salários são reajustados de acordo com a produtividade; e há a questão da concorrência, ausente no setor público. Isso explica basicamente por que o setor privado tende a ser mais eficiente que o setor público. Há também o seguinte problema: em média, segundo o próprio IBGE, o salário do funcionário público é 75% maior que o salário do funcionário privado, e os reajustes do primeiro são feitos de forma muito mais frequente que os do segundo. 

Temos incentivos errados. Estamos empurrando a elite intelectual, a elite laboral do país, para trabalhar em um setor que desfavorece a produtividade, a criatividade e os avanços. A questão das patentes, por exemplo: na universidade, as ideias novas são “compartilhadas socialmente”, não existe um ganho específico para o autor das descobertas, pois não pode registrar patente. Há então um desincentivo a ideias que sejam realmente produtivas, a trabalhar melhor e ser mais criativo, porque não há concorrência, há estabilidade no emprego e os salários são muito altos. Quando se coloca o salário mais alto que a média, se atrai os melhores para este setor e se desguarnece o setor privado, que é mais eficiente, dessa mão de obra de elite. Isso faz com que a média do setor privado também fique menos produtiva, pois pegou a “sobra” do mercado de trabalho. 

É importante também tratar sobre segurança. Quando não há um ambiente institucional que garanta segurança, tanto pública quanto jurídica, é desfavorecida a entrada de novos investimentos e a fluidez do mercado. O empreendedor precisa ter premissas básicas asseguradas. Ele tem que saber, ter a certeza, que a sua propriedade privada será respeitada, assim como seus contratos, e que não haverá uma mudança drástica a cada momento. Isso no Brasil não tem ocorrido. O Supremo Tribunal Federal, entre muitas de suas atitudes nocivas à estabilidade institucional, colocou (em 2019) como novo entendimento que a prisão só pode ser feita após segunda instância. Uma jurisprudência desde 1940 no Brasil era a favor da prisão em segunda instância, mostrava que o país prendia até tal etapa. O STF a desrespeitou e também a jurisprudência internacional: 193 de 194 países da ONU prendem em primeira ou em segunda instância. Há um problema atrelado a mudanças bastante frequentes: em 2016 havia estabelecido o contrário; o que mudou de 2016 para 2019? Simplesmente o contexto conjuntural político. Isso não pode pautar o STF, que é a instituição que comanda o poder judiciário no país. Então há insegurança jurídica. Há também insegurança pública, pois menos de 10% dos homicídios são solucionados no Brasil. Se você for morto, há cerca de 20 vezes mais chance de seu assassino ficar impune do que ser preso. E há uma grande impunidade para crimes do colarinho branco, assim como um grande número de assassinatos por ano. Uma série de fatores negativos faz com que a conjuntura esteja desfavorável para o ambiente de negócios, canalizando os recursos para fora do país, onde haja condições mais convidativas, naturalmente. 

O capitalismo, quando colocado de forma a ter liberdade suficiente para fazer com que suas proficiências beneficiem a população, dá certo. Quando colocado numa situação em que é drasticamente atrapalhado, com intervenções equivocadas e excessivas, dá errado e prejudica sobretudo os mais pobres. 

Ademais, algo que poderia ser muito mais bem aproveitado seria o mercado de capitais. O que seria o mercado de capitais? É a modalidade, o setor do mercado, onde as empresas e os investidores dispõem de uma condição muito mais favorável de obter financiamento para seus projetos. Por que isso ocorre? Suponha o seguinte: você, empresário, tem projetos a ser colocados à frente e precisa de dinheiro para isso. Onde captá-lo? Há os bancos, que emprestam a juros, imputando-lhe a obrigação jurídica de pagá-lo; há a possibilidade de fazer sua empresa emitir títulos de dívida, por meio das chamadas debêntures; e há a alternativa de emitir ações no mercado de capitais. Qual dessas alternativas parece a mais vantajosa em termos financeiros para sua empresa? Emitir ações! Porque quem assume o risco da operação é o comprador das ações, fazendo com que o emissor já arrecade recursos, no mercado primário de negociação, usando-os para financiar projetos, gerar emprego e produção. No Brasil esse mecanismo é extremamente atrofiado. Menos de 1% das pessoas físicas investem no mercado de capitais, que se torna muito dependente dos investimentos estrangeiros e dos fundos nacionais. Isso é um problema, mas se o brasileiro dispuser de uma base razoável de estudos, um preparo conveniente, saberá se sair bem nesse mercado, pois não há nada complexo o suficiente para excluí-lo.

* Este artigo é uma transcrição do início de uma palestra que ministrei a universitários na UFPB em 27 de novembro de 2019. 


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1 Comentários

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  1. Muito bem explicado, esse é sem dúvidas o muito bem detalhado problema do Brasil.

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